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Barrococó figurativo neo-expressionista

Quando da apresentação de projetos arquitetônicos, especialmente em concursos e obras de grande visibilidade, é comum que haja um discurso que explique as intenções: o que a forma representa e como foi concebida, qual a disposição da edificação para com o entorno, com seus usuários, e tantas outras disposições. Esse discurso é traduzido no projeto como o partido arquitetônico (ou conceito, ou estratégia). Um exemplo: o museu de Niterói projetado por Niemeyer parte da ideia de que sua localização possui uma bela vista para a Baía de Guanabara, não devendo ser ignorada, pelo contrário. Então, o partido arquitetônico salienta essa ideia: museu suspenso, redondo e circundado com janelas.

Dessa maneira, o percurso de um projeto não segue somente considerações técnicas e estéticas. Estas considerações, pelo contrário, partem de e seguem uma proposta inicial do projetista para o local+edifício. Este ponto, aliás, apresenta a expressão de um arquiteto além do que é aprendido na academia, sendo fortemente influenciada por sua vivência pessoal. Um bom partido arquitetônico resulta da boa capacidade de tradução da intenção do arquiteto no espaço projetado: a ideia não é nada sem a capacidade de fazê-la entendida por outros. Em alguns paralelos para melhor compreensão, o "partido" da obra ressaltam a intenção aflitiva de Kafka n'O Processo, ou do tempero de violência em filmes de Tarantino, ou da lamentação crua de João do Vale em Minha História.

mac niterói, obra de niemeyer

Um partido é uma metodologia, uma imposição consciente das intenções no planejamento da criação.

Independente do menor ou maior grau de complexidade, a intenção está sempre presente. A arquitetura tradicional de taipa possui o objetivo primário de abrigo e algum nível de organização doméstica. A arquitetura de centros urbanos vai além disso, busca transmitir um conjunto de ideias de quem a projeta. Um edifício sustentável transmite responsabilidade ambiental, uma loja hi-tech transmite o contato com o futuro.

A subida na "escala de Maslow arquitetônica" chega no nível em que a arquitetura concentra-se na função teórica, já que as funções mais básicas de segurança e abrigo foram há muito conquistadas (embora não ao alcance de todos). Com a etapa conceptiva determinando grande parte do fluxo de projeto (que atravessa estudos iniciais, compatibilização de sistemas, detalhamento para execução, etc.), a divisa entre um bom projeto e um mau projeto se torna mais subjetiva e difusa.

 

Neste ponto - a elaboração do discurso e da ideia do projeto - ocorre o que é mais explícito nas artes plásticas contemporâneas: o desligamento entre quem discursa e quem ouve. É difícil não surgir um grande ponto de interrogação em nossas cabeças quando nos deparamos com a notícia de que um quadro azul com uma linha branca é vendido por U$44 milhões. Por que vale tanto? Se tratando de uma quantia dessas, a razão do pagamento deveria ser óbvia, mas não o é. Se antes o valor de uma obra era determinado pela sua qualidade objetiva e técnica, (como muito foi observado na Renascença, por exemplo), as significações subjetivas passaram a cumprir desempenham papel importante nesta determinação. A arquitetura compartilha dessa característica, especialmente as obras de grande visibilidade. É dito que a arquitetura se nutre de conhecimentos tanto técnicos quanto artísticos. Nestas obras, o caráter conceitual é ressaltado, (seja por ideologia do autor, seja por atendimento ao mercado), aproximando a arquitetura do mesmo fenômeno "incognizante" de algumas obras plásticas contemporâneas. Observar a proximidade dos livros de arquitetura com os de arte nas livrarias talvez corrobore essa tese.

Obras de arquitetura atuais também possuem o poder de desenhar um ponto de interrogação sobre nós. O Blur building (arquitetos Diller  e Scorfidio) o fez comigo. Trata-se de uma construção composta por uma estrutura metálica delgada encoberta pelo elemento principal: vapor d’água. Segundo os autores, a proposta é de uma arquitetura “sem forma, massa, cor, peso, cheiro, escala, traço, sentido.” Um prédio com o objetivo de materializar o não-materializável, uma nuvem avessa à obrigatoriedade e onipresença da qualidade HD (alta definição). Esta é parte do discurso desta obra. Este exemplo ilustra bem a subjetividade do valor e qualidade da obra. É uma obra de boa arquitetura? De má arquitetura? É arquitetura?

mac niterói, obra de niemeyer

O objetivo aqui não é o de chegar a conclusões sobre o significado da obra, mas de observar relacioná-la a um panorama da arquitetura com discurso preponderante. Discursos profundos que podem não conectar com o usuário comum, apenas com a crítica especializada. Em sentido contrário à critica especializada e à caracterização como "uma seara que não é pra qualquer um” a construção e a obra de arte devem ser pra qualquer um, principalmente as obras de grande visibilidade. Que a arquitetura não fique presa em discursos direcionados e compreensíveis por apenas um seleto público-alvo.

A arte se vale de uma qualidade que a diferencia de outras realizações humanas: o mistério. O valor de muitas obras é precisamente o mistério que produz, pois instiga uma investigação prazerosa de seus significados. O mistério aqui, em vez de obstruir a leitura, a reforça, pois é propósito da criação da peça e um convite a atingir a mensagem.

O sucesso de uma obra é a capacidade de expressar sua mensagem para quem a lê. Deve este ser o objetivo primário de uma obra da arquitetura. Um discurso embriagado de temas, conceitos e definições poderá ser perdido quando estes são utilizados apenas para um acabamento de sofisticação e arrojo da obra e não para direcionar sua criação.

 

A comunicação possui a maravilhosa capacidade de se estabelecer por tantos e tantos meios: sons, desenhos, gestos, paladares, espaços. De uma simples dilatação de pupila à construção de faraônica de pirâmides no deserto, desejamos passar uma mensagem. A arquitetura não poderia fugir disso, mesmo a mais rudimentar.

 

Do contrário, estaremos apenas desmaterializando a matéria.

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